sábado, janeiro 06, 2007

Á NOITE, DEBAIXO DO VELHO PINHEIRO

No concelho de Sintra, existe lá bem no meio de nenhures, um monte onde fica uma capelinha, dedicada á Senhora da Piedade. É um vulgar monte, para a maioria das pessoas que por lá passam. Nada tem de especial, a não ser a paz que irradia, e a belíssima paisagem que se estende perante os olhos do vulgar visitante. Contudo, para quem tem alma de poeta e sonhador, aquele monte tem algo de fascinação e magia. Só um sonhador, pode ver o maravilhoso pôr de Sol, com cambiantes que vão do violeta, ao vermelho, numa variedade, que inclui todas as cores do Arco Íris. Só uma alma de poeta, para ouvir e entender todos os sons, desde o restolhar da brisa, até ao pipilar dos pássaros. Só um poeta sonhador, para ver as estrelas, cuja luz parece ser mais cintilante. Há até quem diga, que até os extraterrestres, por lá gostam de poisar as suas naves. Será? Quem sou eu, pobre sonhadora, para o desmentir? Uma noite, em que estava em plena contemplação das estrelas, ouvi um ruído fora do usual. Apurei o ouvido e a vista. Que estaria a acontecer? Estava uma noite enluarada, calma, nem a brisa suave se fazia sentir. Só a Lua, cheia, sorridente lá no alto, como que dando as boas vindas, a quem vinha instalar-se na sua linda sala e visitas. Vi então uma velha coruja, que, se instalou no cimo de um ramo do velho pinheiro, que fica perto da clareira. Chegou depois um mocho, que, se instalou ao lado da coruja. Começaram então a conversar. Sim! Não se admirem. Eu ouvia-os conversar, e, entendia tudo o que diziam, talvez porque eu sou daquelas poucas pessoas, que, entendem a magia e o fascínio daquele lugar. Querem que lhes conte o que diziam? Vou contar: Mocho:- Boa noite comadre Coruja, como tem passado? Coruja:- Olá compadre. Eu tenho passado menos mal, com toda a chuva que tem havido, tive até algumas inundações no meu ninho, e o senhor? Mocho:- Sim. Tem chovido bastante, mas é época da chuva não é? Estou muito curioso! Parece que as rolinhas têm algo para contar, e, estou ansioso para ouvir. Coruja:- Sim também sei disso. Foi por essa razão que convoquei todos os animais do monte, para uma assembleia geral. Devem estar a chegar. Novo ruído, este maior que o primeiro. Eram os coelhos, os ratos, as doninhas, os gatos vadios, e, até o Sultão, cão de guarda do casal que fica no monte lá estava. Depois, como se fosse uma lufada de vento, chegaram as aves, pardais, toutinegras, rouxinóis, milhafres garças e também lá estava dona gaivota, em representação da sua aldeia, para tomar nota, do que se iria passar. Por fim, como convidadas de honra, um pouco atrasadas, como é do protocolo, chegaram em voo rasante, duas lindas rolas. Cumprimentaram todos os presentes e instalaram-se no ramo central do velho pinheiro, como figuras principais da assembleia. Boa noite! – disseram, sabemos que estão á espera da nossa história, com interesse e alguma curiosidade. Devemos dizer-lhes, que é uma bonita história, a que hoje lhes trazemos...... AS ROLAS CONTAM A SUA HISTÓRIA ....Esta tarde, quando fomos beber á fonte das Aranhas, estavam duas meninas conversando. Comentavam entre si, um caso que se passou, faz tempo. Conheceram elas, uma jovem, que muitas vezes vinha á fonte, beber água. Naqueles tempos, a fonte jorrava água cristalina, e fresca. A jovem costumava sentar-se no tanque da fonte, e, começava a cantar com voz dolente, o que seriam talvez as suas mágoas. Tinha uma voz maviosa e linda que encantava quem a ouvia. Um dia, a menina, ouviu o trote de um cavalo, e, resolveu esconder-se. Aproximou-se então um jovem cavaleiro, que, também veio beber água, e dar de beber ao seu belo cavalo. Aquele lugar era tão fresco e acolhedor, que o jovem resolveu, sentar-se á sombra, onde acabou por adormecer. Durante o sono, sonhou que havia ali uma bela menina, que cantava uma linda canção de amor, onde falava dum marinheiro, que em tempos partira, e, que nunca mais voltara, deixando a sua amada á espera sem notícias. Lembrou-se então o jovem, de que, ele também fora marinheiro, e que também ele, estava ausente há muitos anos, sem dar notícias a ninguém. Estava precisamente de regresso da sua longa e aventurosa viagem, em terras desconhecidas, das quais voltava, rico e famoso. No seu sonho, o jovem viu a sua velha mãe, triste e chorosa, por não saber se seu filho era ou não vivo, viu também que, seu pai havia já falecido, na ignorância, da sorte que seu filho havia tido, seus irmãos, também haviam emigrado, só estava junto da mãe, a jovem muito bonita que cantava. Embora não soubesse quem seria, o belo cavaleiro, mesmo em sonho ficou apaixonado. E, tão embrenhado estava em seu sonho, que, não deu pela tarde chegar ao fim. Só quando o frio apertou, ele enfim acordou. Contudo, foi á vila comeu, dormiu, e, no dia seguinte voltou á fonte, nem ele mesmo sabia porque lá voltava. Apenas sentia uma enorme vontade de lá voltar. Era ainda manhã. O jovem sentou-se de novo debaixo do velho pinheiro, e ali ficou a ver a paisagem, maravilhosa que todos conhecemos. O seu cavalo afastou-se, deliciando-se com a erva verdinha e fresca dos campos. Já perto do meio dia, veio a jovem de novo á fonte. Ao vê-la o cavaleiro, reconheceu a menina que havia visto em sonho. Não quis deixar passar a oportunidade, de a conhecer, e logo se dirigiu a ela, perguntando? - A menina é de cá, destas paragens? - Como se chama? - O meu nome é Margarida. Sim vivo aqui perto, com uma velha amiga. - Não tem família então? - Não! Só a senhora Berta, que me acolheu, quando eu era pequena. Ela costuma dizer, que de certa forma, eu, vim apaziguar a saudade, dum filho que partiu, e nunca mais voltou nem deu notícias. - A menina sabe o nome desse filho? - Sim. Chamava-se Miguel. Era marinheiro. Se calhar estará no fundo do mar. Tenho muita pena da sra. Berta. Já o marido morreu também com este desgosto.... - A menina tem noivo? - Não senhor. Quem é que quereria casar com alguém como eu? Nem sei quem foram os meus pais.... - E se eu quisesse casar consigo? - Ó meu senhor. Só por brincadeira me diria isso. Alem de que eu também não quero sair de pé da minha velha amiga. Ela não tem mais ninguém. Pobrezinha... e dito isto saiu correndo estrada fora. - O mancebo, chamou o seu cavalo, tomando-o pela arreata, seguiu também pela estrada, que levava ao povoado. - Chegado ali, dirigiu-se a uma velha casa, onde na soleira da porta estava uma idosa senhora, lendo. - O jovem cumprimentou: - Boa noite minha senhora. É por acaso a sra. Berta? - A pobre senhora levantou os olhos e respondeu. Sou sim senhor. E o sr. Quem é? Eu conheço-o? - Ninguém como a senhora, para me conhecer. Eu sou Miguel. O filho que julgava perdido. - A velha senhora, nem queria acreditar nos seus olhos e ouvidos. Comovida abraçou o filho dizendo: - Meu filho querido, porque nunca escreveste? - Minha mãe, na terra por onde andei, não era possível escrever, ou dar notícias. Mas aqui estou. Desta vez para nunca mais partir. Venho muito rico. Vou tirá-la desta pobreza, dar-lhe tudo o que merece, e recompensa-la daquilo que não pude dar-lhe. - Meu filho, sabes, tenho comigo uma donzela, que tem sido a minha alegria, na tua ausência. - Ele fez um ar carrancudo e disse: - E essa donzela, é lhe mais querida do que eu, que sou seu filho? - Não. Mas não a posso abandonar. Foi ela quem me acompanhou sempre. Foi ela quem sustentou esta casa, quando eu deixei de poder trabalhar. Para me levares daqui, terás que a levar também. - Sempre carrancudo ele responde: - Até pode ser. Também preciso de alguém para tomar conta de mim. - Mas meu filho. A Margarida não é uma empregada. É uma filha para mim. - Verdade? Se assim é. Então será mesmo filha. Pois tenciono casar com ela, minha mãe - Mas se tu nem a conheces..!? - Conheço sim. E digo-lhe minha mãe, assim que a vi, disse para comigo: - Esta vai ser a minha esposa e a mãe dos meus filhos... E assim foi. Casaram. E hoje as netinhas desse casal, vêm á fonte beber água, na esperança de que por ali passe algum cavaleiro, que queira com elas casar. O sr. Mocho, diz então: Vai ser difícil. Nos tempos que correm, só se for um motoqueiro.... Mas a D. Coruja, contestou: Cavaleiro, motoqueiro, marinheiro, pouco importa. O importante na vida é o Amor..... tudo o resto virá por acréscimo e a seu tempo.... Bem meus amigos, depois deste belo serão, são horas de cada um regressar ás suas casas. De novo se ouviu o restolhar, lá foi cada um para seu lado. Eu olhei o relógio, e, eram quase 4horas da madrugada... como o tempo tinha passado. A fazer-me companhia, só um rouxinol ficou a cantar, a sua eterna e solitária melancolia..... Digam lá, que este monte não tem magia.... Piedade, 19 de Dezembro de 1999 Maria Isabel Galveias.

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