quarta-feira, dezembro 20, 2006

UMA NOITE Á CHUVA

Saí de casa. Não conseguia permanecer mais tempo enclausurada dentro do meu quarto, sentada frente ao meu PC, esperando que alguém do outro lado, me dissesse: - Olá! Como vai? Meti-me no meu carro, e parti veloz. Fui como de costume arejar ideias, só, que desta vez, não fui para o meu Monte de Sonho e Magia. Sem bem saber como, dei comigo no alto dum promontório, vendo lá ao fundo o mar, que se agitava irado. Saí do carro. A brisa fria e com cheiro a mar, fustigava-me o rosto, transmitindo-me toda a fúria que transportava consigo. A Natureza estava naquela noite, tão inquieta como eu.. Eram 2h da madrugada, não se via alma viva por aqueles lados.... Apenas se ouvia de vez em quando o grito duma gaivota, que passava em voo rasante.... Eu sentia-me interiormente, destroçada.....Como se o temporal viesse de dentro de mim, as lágrimas corriam-me no rosto, em verdadeiro caudal... Não conseguia controlá-las, e, isso, contribuía para ficar ainda mais enraivecida, contra mim própria. - Porque chorava? Perguntava de mim para mim.... - Acaso sentia saudades? Mas saudades de quê? De quem? Do tempo em que vivia cativa e mal tratada? Das agressões fisicas e psiquicas a que tinha estado sujeita nos últimos anos, e, das quais tivera a coragem de me libertar? Sentia uma enorme raiva.......! Começou a chover.... Entrei para o carro e fiquei a ver a chuva a cair.... O barulho das gotas de água no tejadilho, davam-me Uma enorme sensação de tranquilidade, como se fosse uma melodia de embalar, tocada pelos elementos furiosos da Natureza.... Fiquei a ver a chuva a cair numa cortina de água, que ocultava tudo o que me rodeava.. Estranhamente comecei a distinguir as fitas de água como se estas fossem de cristal, como se a chuva fosse feita de uma cortina de contas brilhantes, com um cambiante de luzes, tão intensa que me feria a vista, obrigando-me a fechar os olhos. Assim fiz. Fui obrigada a fazê-lo. Os raios de luz eram tão fortes que, não me era possível manter os olhos abertos. Senti a porta do carro do abrir. Alguém entrava nele, quem seria? Eu estava completamente paralisada, mas contudo, não tinha medo. Aquela presença a meu lado, era tranquilizante. Senti ainda, uma mão leve que me acariciava o rosto, ao mesmo tempo que, me enxugava as lágrimas que em silêncio me saiam dos olhos cerrados. Uns lábios, quentes e macios, beijaram-me levemente....Aquele beijo suave e aquelas mãos acariciantes, transmitiam uma calma..., uma paz..., tão intensas, tão envolventes...que a própria fúria da Natureza acalmou........ Ouvi uma voz calma, doce e meiga, que murmurava ao meu ouvido: - Calma. Sossega. Já passou. Não chores mais! Porque te sentes tão infeliz? Não há motivo...! Uns braços envolveram-me. Aquela mão suave, puxou-me a cabeça e reclinou-a junto de um peito forte, onde senti bater um coração em ritmo tranquilo - És uma mulher forte, continuou a voz, inteligente. Porque pensas que ninguém gosta de ti? - Porque sinto isso! – murmurei apática - Sentes? Estás sentindo isso neste exacto momento? - S...i...m! N...ã...o! - Sim ou não? – Aí a voz foi um pouco agressiva - N...ã...o! - Assim está bem, já gosto mais, disse suavemente de novo.... - Não me conheces, eu sei. Porém eu amo-te...... - A...m...a...s? murmurei num suspiro - Sim. E muito!!! - Conheço-te? Conheces-me? - Sim!!! - Como? De onde? - Tentei ver, por entre as gotas cristalinas da chuva, o rosto de quem me falava, mas não era possível.. A voz continuou: Conheço-te de todas as noites falar contigo. Sempre á mesma hora, fielmente lá estás..... - Porque não te vejo? Perguntei... - Porque não podes....Só podes sentir-me - E tu podes ver-me, porquê? - Também não posso...Só posso sentir-te também. - Mas... Se não me vês, como podes amar-me? - Amo a tua alma, que tu desnudas completamente, sem disso te aperceberes..... - S...i...m? E como é ela? - Linda! Por isso te amo. Exactamente como tu a mim.... - A...m...o??? - Consegues negá-lo? - Sou assim tão evidente? Se nem o conheço...... - Como não conheces? Todos as noites falas comigo, me dizes tanto de ti, e de tudo o que te cerca, no meio da tua aparente leviandade......! - E que te digo? - Dizes-me nas entrelinhas, o quanto és sensível, amiga do teu amigo, meiga, carinhosa e muito, muito louquinha.....! - Senti mais terno e carinhoso aquele abraço. Mais suave e doce a boca que me beijava com uma ternura, como eu nunca sentira antes.... - Tentei corresponder. Não consegui. Estava completamente paralisada. Só podia falar, e mesmo assim parecia que o nosso diálogo era mais transmissão do pensamento, do que através da fala. - Que me dizia a voz? Cada vez estava mais diluída, Já não entendia mais nada. Longinquamente, falava-me de amor, como se soubesse que amor, era pra mim a prioridade das prioridades. Aquele abraço amigo, começou a desprender-se; aquela voz suave, estava cada vez mais longe, afastando-se lentamente..... Comecei a ouvir uma outra voz mais forte, mais rouca Que cantava: - Aquellos ojos verdes serenos como lagos.... O meu corpo, começou a ficar pesado. A chuva já não batia no tejadilho do carro...Tinha deixado de chover....... Só a luz ainda era intensa, mas consegui abrir os olhos. Vi assombrada, que estava no meu quarto, sentada frente ao meu PC, eram 6h da manhã Afinal que se teria passado? Teria sido um sonho? Abençoado sonho........ Mª Isabel Galveias, 24-3-001

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